sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Geografia de Jogos Vorazes: as relações de poder.


A Geografia de Jogos Vorazes: as relações de poder. 





     Quando falamos de Jogos Vorazes logo nos vem à mente outros livros da categoria infanto-juvenil, tais como Harry Potter, Percy Jackson, Eragon, etc. e consequentemente todas as problemáticas de uma indústria cultural que muito influencia os jovens e contribui para um estado de alienação.
      Esse tipo de material é mais acessível e é o que geralmente a juventude gosta. E não é por qualquer coisa, realmente os livros são muito legais! Recheados de boas doses de aventura, suspense, romance, histórias de amizade e de uma realidade que não nos pertence (já que muitas vezes queremos fugir da que nos rodeia). Porém, muitas vezes esse tipo de literatura é discriminado por professores ou pessoas que lidam com educação. Isso acaba afastando o aluno da leitura em si (já que são obrigados a ler coisas mais eruditas que geralmente caem no vestibular). Não estou dizendo que esse tipo de leitura não seja bom, estou falando que NADA deve ser desprezado por um educador. Tudo é passível de observações, análises, e principalmente de críticas. E por que não usar a realidade e o mundo que pertence a eles?
    Um pouco diferente de outras sagas juvenis, Jogos Vorazes é uma distopia (sendo dis- ruim e topia lugar, ou seja, lugar ruim), não é uma fantasia bonita, pelo contrário, retrata um local que após ser destruído por catástrofes naturais vive períodos de guerras e sofre com a formação de um estado autoritário. Uma das críticas feitas ao livro é  que ele  retrata somente a América do Norte (pois esse novo “país”  cujo nome é Panem, se localizaria em uma área abrangendo Canadá, EUA, e México, no entanto, penso que a autora somente omitiu  fatos e inclusive acho que se ela quisesse poderia retomar a história justamente desse ponto. E o resto do mundo?
     Como o objetivo desta postagem é falar das relações de poder presentes no livro a partir de uma perspectiva da Geografia Política é importante frisar esse detalhe, pois aqui não temos nem mais o modelo de Estado-Nação de Westfália, nem um mundo articulado em redes. Não há globalização nos termos que conhecemos hoje. Apesar de tudo isso ter deixado suas marcas. No entanto, Panem é um país com uma área grande, mas isolada.
     Usarei como base teórica um texto da geógrafa Iná de Castro (referências seguem no final) que trata sobre as relações de poder, algo que é inegável no livro da Suzanne Collins.
     Primeira coisa, poder envolve relações assimétricas, pois se fosse uma relação igualitária não haveria poder. Segundo, sempre onde há poder, há resistências. Assim, já podemos observar um fator importante, em uma análise simplória temos  de um lado  a Capital e de outro os distritos.
       Mas por que os Distritos aceitam essa relação de poder? Por que tentaram uma guerra contra a capital há mais de 74 anos (seguindo a data do livro I) e perderam (inclusive um dos principais motivos da derrota foi a impossibilidade de passar pela cordilheira -Rock Mountains- um fator geográfico determinante). No final da guerra iniciada pelo Distrito 13, este é exterminado e o poder é mais fortemente centralizado na Capital que irá estipular uma série de ações para se manter no comando, dentre eles, os Jogos Vorazes.  
     Jogos Vorazes é o nome do evento que a Capital criou para deixar claro quem manda e basicamente é um reality show onde um menino e uma menina com idade entre 12 e 18 anos de cada distrito é sorteado como tributo para competir  em uma arena cujo objetivo é matar um ao outro até que sobre somente um. Isso tudo é amplamente divulgado e tem  incentivos tanto públicos quanto privados (dentro da arena os tributos podem receber ajuda que é comprada através de patrocinadores, sendo isso uma importante forma de sobreviver).
Além da atuação na arena, uma das formas de conseguir patrocínio é durante o período de preparo para os Jogos, ocorrendo entrevistas e testes que avaliam as habilidades de cada tributo e atribuindo notas. Quanto maior a sua nota, maior a chance de ter patrocínio.
      Apesar das pessoas sofrerem com a perda de suas crianças uma coisa é fato: há uma vontade comum entre toda a população de Panem que permite que ocorram os Jogos Vorazes. Se não houve esse fundamento, esse limite socialmente e temporalmente aceito, não existiria os jogos. Depois veremos que essa relação é fraca, pois permitiu a possibilidade de escolhas trágicas, que segundo Castro ocorre quando o individuo prefere a morte para escapar da submissão ou quando a sociedade faz uma revolução. No caso de Jogos Vorazes temos os dois tipos.
      Afinal, por mais que a sociedade como um todo aceitasse no momento do primeiro livro a existência do reality show, a maioria dos tributos estava ali por imposição. Não é a toa que a Katniss Everdeen e o Peeta Mellark (protagonistas) preferem a morte, e menos a toa ainda que a Capital não deixa isso acontecer. Quando Claudius Templesmith anuncia que há dois vencedores está falando que a Capital não aceitará demonstrações de recusa ao seu poder.
     Castro a partir de análises de outros autores coloca que há 3 tipos de poder: o Poder Despótico (caracterizado pelo medo e como tem como principal fonte de coerção a força e a violência é um poder fraco); o Poder da Autoridade (exercido mediante concessão, sendo uma forma legítima, se fazendo obedecer através de leis, tradições e carisma, o que faz com que haja reconhecimento e concordância dos que se submetem e é mais forte porque teoricamente visa o bem comum); e o Poder Politico (engloba as duas outras formas de poder, fazendo uso de acordo com seus objetivos, é um poder moral e se materializa no espaço).
    Nitidamente a Capital utiliza o Poder Politico e as transformações espaciais são bem claras. Temos uma relação centro-periferia (capital-distritos) e uma divisão do trabalho pensada estrategicamente (cada um dos 12 distritos é responsável pela produção de apenas um tipo de mercadoria).
     No outro lado da moeda há o Distrito 13 que ao contrário do que falava a Capital não foi destruído, mas sim ao final da guerra deixado em “paz” desde que não manifestasse existência. Esse distrito era responsável pela fabricação de energia nuclear por isso o medo de se manter uma guerra. Fato curioso porque mostra como as guerras têm importância para delimitação de fronteiras.
    A característica mais marcante do Distrito 13 é o Estado duramente centralizado, lembrando bastante uma sociedade socialista. O controle é muito rígido pois os recursos naturais para manutenção da população é escassa, a burocracia da administração pública é gritante (além dos horários para absolutamente TUDO, qualquer decisão tem que passar por conselho) e a padronização é latente (todas as roupas são iguais, todos comem a mesma comida, etc.). Todos esses atributos levam a caracterizar esse distrito como um Estado Unitário, que é um dos dois modelos clássicos de organização do Estado, mas este tem um alto grau de homogeneidade.
      Quando cheguei nessa parte do terceiro livro (A Esperança) imaginei que as coisas iriam melhorar, porém aqui também há relações de poder. A presidente Alma Coin é na verdade uma ditadora tanto quanto o presidente da Capital, Snow. Por isso admirei a atitude da    Katniss que ao invés de matar o Snow durante a cerimônia de vitória se vira e mata a Coin.
   Enfim, Jogos Vorazes é uma trilogia brilhante em que podemos realizar diversas relações com as diferentes áreas da Geografia. Nessa postagem queria reconhecer as formas de poder que aparecem no livro, em uma próxima quero falar mais sobre a Divisão do Trabalho e do Relevo da América do Norte. 


Referência:

CASTRO, Iná Elias de. O poder e o poder político como problemas. In: CASTRO, Iná de . Geografia e Politica: território, escalas de ação, e instituição. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005. Pg. 95- 137. 
COLLINS, Suzanne. A Esperança. Rio de Janeiro, Rocco, 2011. 
_________________. Em Chamas. Rio de Janeiro, Rocco, 2011.
_________________. Jogos Vorazes. Rio de Janeiro, Rocco, 2010.





4 comentários:

  1. Excelente texto, Thais! Super didático e super completinho! :D
    E, nossa, ótima observação essa sobre a cordilheira, juro que não lembrava disso! Consta essa informação no livro ou foi uma observação/percepção sua? =o

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    1. Está no livro. Em Jogos Vorazes eles falam que perderam pela incapacidade de passar pelas cordilheiras. E depois em A Esperança um das coisas que fazem eles pararem é a Cordilheira novamente.

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  2. Caraca ficou bem legal sua exposição, bem simples e didatica como a Keyka Disse! Muito bom mesmo, estou ansiosa para ler os outros =D

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  3. uhuu..curti muito, parabéns Thais...é bom ver que vc esta crescendo e escrevendo tão bem!!

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